Secult Ceará realiza Seminário “Desnaturada – Cultura & Natureza”, com curadoria de Ailton Krenak e Fabiano Piúba
“Nós somos natureza, sempre fomos. Mas em algum momento da nossa história, isso que se chama de modernidade introduziu uma camada estranha na nossa relação com a vida na terra, nos oceanos e florestas. A própria ideia de produzir comida indefinidamente, esse biodigestor que não para de produzir, ele é doente, mas é apresentado pela ideia industrial da comida como prosperidade, fartura, vida abundante. Alimento não é mercadoria, assim como a água. Uma injustiça grave que está apoiada em uma narrativa que separa cultura e natureza, separa o nosso corpo da terra, introduz uma série de mudanças no nosso cotidiano, inclusive o modo de morar”, nos fala Ailton Krenak, escritor, pensador e líder indígena. É com esse mote que a Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, em parceria com o Instituto Dragão do Mar e o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, apresenta o Seminário “Desnaturada – Cultura & Natureza”, de 25 a 27 de novembro. Realizada no Teatro Dragão do Mar, Cinema do Dragão e na Terra Tradicional Japuara, a programação será inteiramente gratuita, mediante a retirada de ingressos, e acessível em Libras. Com curadoria de Ailton Krenak e Fabiano Piúba, secretário da Cultura do Ceará, o seminário nos convida a refletir sobre o termo “desnaturada” – a desnaturalização da vida no planeta terra, levando experiências para germinar um futuro em que possamos resgatar nossa ancestralidade e saibamos “pisar suavemente”.
A retirada de ingressos para cada programação no Teatro Dragão do Mar será liberada uma hora antes, limitada a um ingresso por pessoa. Caso esgotem os ingressos para a programação no teatro, estarão disponíveis ingressos para o Cinema do Dragão – Sala 01, onde haverá também a transmissão ao vivo do evento. A distribuição de ingressos para a programação no Cinema do Dragão será iniciada três horas antes, também restrita a um ingresso por pessoa.
“Chico Mendes dizia, e chamava atenção, quando eu andava junto com ele na floresta. Que a gente podia imaginar uma florestania. E isso não tem nada a ver com caixa de concreto, tem a ver com a floresta. E é muito curioso, que agora no século XXI, as pessoas estejam de novo lembrando que a floresta pode ser uma maneira da gente restabelecer uma certa conciliação do corpo humano com a terra, de refazer uma refazenda, uma revivência, ser abacateiro, voltar a ser pato e leão”, aponta Ailton Krenak.
“A fera somos nós, os humanos, a esfera é o planeta. Como nós fomos nos afastando desse pertencimento ao organismo da terra, nos separando de uma maneira tão vertiginosa, que daria para imaginar um zoom, se afastando feito um foguete, e de lá de cima fazendo uma fotografia da terra – igual ao astronauta que diz que a terra é azul. Uma experiência de deslocamento. Esse movimento desnatura a terra, ela deixa de ser natureza, e passa a ser uma espécie de metanatureza, uma coisa na qual você pode pensar, mas ela está tão fora de você que não te afeta. Tipo o metaverso, aquele lugar que você não está de verdade, mas sua mente habita aquele lugar abismal”, explica Krenak, sobre Desnaturada.
O seminário apresenta também um debate sobre os direitos da natureza, aponta o escritor, uma tentativa de retirar do ambiente fechado e acadêmico, uma pergunta essencial: o que nós, os humanos, nos tornamos dentro da cadeia da vida no planeta? “O mais interessante é que isso não vai ser feito no sudeste, vai ser feito em Fortaleza, e isso desloca o lugar desse debate. Uma conversa junto aos Anacé para dizer o seguinte – olha, se a gente não mudar de rumo, vamos todos para o buraco, é uma conversa chão”, finaliza Krenak.
“Nosso desejo é que este seminário possa aproximar cosmovisões que misturam essa experiência de conversar e de sonhar com a Terra e que possamos pisar leve, dançar leve sobre a Terra Mãe, como nos faz pensar Ailton Krenak. Uma cosmovisão onde cultura e natureza possam se reconhecer em convívio solidário e comum. Uma consciência nos diz que, para além da cidadania, necessitamos da florestania. Nesse caminho, a expressão que encontramos como um mote foi “desnaturada”, palavra cunhada por Ailton em nossas conversas. Nesse sentido, a ideia de desnaturação da terra surge como uma reflexão vital para os tempos que correm. Parece nos levar ao senso comum de “pessoa desnaturada”, do “filho desnaturado” pela mãe que lhe pariu e pela Mãe Terra, aquele ser desprovido de qualquer humanidade ou de futuro. O que já provoca um certo paradoxo, ao tempo que uma boa oportunidade para reunir a natureza-humana com a natureza-natureza. Como um caminho imaginado, temos a cosmovisão de que o futuro é ancestral em sua composição mais orgânica e encantada, circular e espiral de nosso pertencimento ao organismo da Terra, que nos remete aos tempos da natureza na natureza dos tempos, reúne cultura e natureza sem qualquer hierarquia ou primazia entre os seres, pois aprendemos tanto com um passarinho, uma árvore ou uma pessoa”, explica o secretário da Cultura do Ceará, Fabiano Piúba.
“Ailton com sua cosmovisão indígena – que se nutre também de seus encontros de décadas e milênios com o Davi Kopenawa – nos traz a ideia de adiar o fim do mundo, de sonhar a Terra e de conversar com Ela numa dança cósmica. Então, quando o Gil canta que somos a ferida, a podridão e a morte, ele também nos diz que somos a beleza, o fogo, a ressurreição. Esta é a aposta deste seminário, pois Ailton diz que é uma constelação de gente que ainda é capaz de cantar, dançar e de contar histórias que vai adiar o fim do mundo. Não deixa de ser um lampejo de luz diante da desgraça humana, mas também perante da natureza-humana-natureza que é Ailton Krenak com toda sua ancestralidade e futuro”, completa Fabiano.
“Em tempos de catástrofe climática, crise democrática, pós-verdade e distopias assustadoras, um encontro presencial e afetuoso em torno da ‘fogueira simbólica’ no Teatro Dragão do Mar me parece – além de necessário – muito poético. O Seminário Desnaturada – Cultura & Natureza traz ao complexo cultural o debate contemporâneo mais urgente: a sobrevivência na terra. Espero que possamos nos inspirar”, afirma a superintendente do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Natasha Faria.
O seminário começa na sexta-feira (25), às 16h, com abertura seguida de apresentação da música “Dança Cósmica para adiar o fim do mundo”, com participação de Ailton Krenak e Fabiano Piúba, juntamente com o compositor e multi-instrumentista Thiago Almeida, a multiartista Vic Andrade, que é batuqueira, dançadeira, cantareira e integra o grupo Viramundo; o músico, compositor e cantor da Guiné-Bissau Macaio e o construtor de instrumentos musicais orgânicos, artista plástico, cenógrafo e figurinista Tércio Araripe, ambos da Orquestra de Barro Uirapuru de Cascavel, do povoado de Moita Redonda, que possui cerca de 950 habitantes e cujo conhecimento ancestral do trabalho com a cerâmica possibilitou a criação de diversos instrumentos de corda, sopro e percussão, todos feitos de barro.
Após a apresentação, às 16h45, haverá uma potente conversa com Ailton Krenak e o escritor, biólogo e neurocientista Sidarta Ribeiro. Com a temática “Sonhar a Terra”, a conversa terá mediação de Fabiano Piúba.
No sábado (26), o conhecimento ancestral se faz presente nas vozes e nos encontros. Começando pela manhã, às 9h, com a vivência da ancestralidade Anacé, na Terra Tradicional Japuara, com Cacique Roberto Anacé e Ailton Krenak. A mediação é do antropólogo Ronaldo de Queiroz Lima. Já às 16h, a mestra em Ecologia e coordenadora da área de Biodiversidade no Instituto Socioambiental (ISA) Nurit Rachel Bensusan realiza a performance “Carta para Ailton”. As partilhas continuam com a roda de conversa com Marina Araújo e Mateus Tremembé sobre “Cozinhas ancestrais: um caminho para a decolonização do prato”, que terá mediação de Jéssica Ohara Chuab, coordenadora de Patrimônio Cultural e Memória da Secult.
Ainda no sábado (26), às 18h, haverá a exibição do documentário “Pisar suavemente na Terra”, do diretor Marcos Colón, na sala 2 do Cinema do Dragão. O filme retrata três lideranças indígenas da Amazônia que tentam manter vivas suas formas de estar no mundo. Ouvimos as histórias de Kátia, cacica do povo Akrãtikatêjê, de Manoel Munduruku, cacique do povo Munduruku e de José Manuyama, professor de origem Kokama, todas interligadas pela voz e o pensamento ancestral de Ailton Krenak. Os três narram as ameaças aos seus territórios promovidas pela grande mineração, pelo monocultivo, pelo garimpo, pela exploração de petróleo, pela extração de madeira e pela construção de usinas hidrelétricas. Esses relatos de resistência nos apresentam outras formas de existir e caminhar no mundo. A obra é vencedora do prêmio de Melhor Fotografia da 12ª edição do Filmambiente – Festival Internacional de Filmes Ambientais. A exibição será seguida de debate sobre o filme com Ailton Krenak e Marcos Colón, mediado por Fabiano Piúba.
Continuando com as conversas e partilhas, na tarde de domingo, vamos presenciar três rodas de conversa. A primeira, às 15h, será com as irmãs Valéria Carvalho e Verônica Carvalho, acompanhadas da professora coordenadora do Núcleo de Africanidades Cearenses (Nace) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em educação para a igualdade racial, Sandra Petit. Com o tema “Pretagogia, ancestralidade e educação”, a conversa terá mediação de Mariana Teixeira, secretária executiva de Planejamento e Gestão Interna da Secult Ceará. Já às 16h30, o professor titular de Ecologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fábio Scarano, e Ailton Krenak conversam sobre “Regenerantes de Gaia e o letramento do futuro”. Por fim, às 18h30, Nurit Rachel Bensusan e Ailton Krenak conversam sobre o tema “O presente é uma máquina de fazer futuro”.
O encerramento acontece às 20h, seguido de um Toré com povos indígenas do Ceará, às 20h30, que fecha o Seminário “Desnaturada – Cultura & Natureza” com a força ancestral dessa bonita e poderosa manifestação cultural.
Serviço:
Dia 25/11 (sexta-feira)
– 16h: Abertura e exposição “Notas da Floresta”, de Fernando França
– 16h30: Apresentação da música “Dança Cósmica para adiar o fim do mundo”. Thiago Almeida, Vic Andrade, Fabiano Piúba e Tércio Araripe com Orquestra de Barro Uirapuru de Cascavel e participação de Ailton Krenak.
– 16h45 às 18h45: Conversa com Ailton Krenak e Sidarta Ribeiro: “Sonhar a Terra”. Mediação: Fabiano Piúba.
Local: Teatro Dragão do Mar, com transmissão ao vivo da programação no Cinema do Dragão – Sala 01 (retirada de um ingresso por pessoa uma hora antes)
Dia 26/11 (sábado)
– 9h às 12h – Vivência da ancestralidade Anacé na terra tradicional Japuara com Cacique Roberto Anacé e Ailton Krenak. Mediação de Ronaldo de Queiroz Lima.
Local: Terra Tradicional Japuara
– 16h às 16h10 – Performance “Carta para Ailton”, de Nurit Rachel Bensusan
– 16h10 às 17h30 – Roda de Conversa com Marina Araújo e Mateus Tremembé: “Cozinhas ancestrais: um caminho para a decolonização do prato”. Mediação: Jéssica Ohara Chuab.
Local: Teatro Dragão do Mar, com transmissão ao vivo da programação no Cinema do Dragão – Sala 01 (retirada de ingressos uma hora antes)
– 18h – Exibição do filme “Pisar suavemente na Terra” do diretor Marcos Colón (73’).
– 19h15 – Debate sobre o filme com Ailton Krenak e Marcos Colón. Mediação de Fabiano Piúba.
Local: Cinema do Dragão – Sala 02 (retirada de um ingresso por pessoa a partir das 15h)
Dia 27/11 (domingo)
– 15h: Roda de Conversa com Fábio Scarano com Ailton Krenak: “Regenerantes de Gaia e o letramento do futuro”.
– 16h30: Roda de Conversa com Valéria Carvalho, Verônica Carvalho e Sandra Petit: “Pretagogia, ancestralidade e educação”. Mediação: Mariana Teixeira.
– 18h30: Roda de Conversa com Nurit Rachel Bensusan com Ailton Krenak: “O presente é uma máquina de fazer futuro”.
– 20h: Encerramento
– 20h30: Toré com povos indígenas do Ceará
Local: Teatro Dragão do Mar, com transmissão ao vivo da programação no Cinema do Dragão – Sala 01 (retirada de um ingresso por pessoa uma hora antes)
Serviço: Seminário “Desnaturada – Cultura & Natureza”
Realização: Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, Instituto Dragão do Mar e Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Curadoria: Ailton Krenak e Fabiano Piúba
Local: Teatro Dragão do Mar e Cinema do Dragão, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, e na terra tradicional Japuara
Período: 25 a 27 de novembro de 2022
Horários diversos
Programação gratuita, mediante retirada de ingressos, e acessível em Libras
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